Próteses 'estilosas' viram sensação entre pessoas amputadas e mostram avanço tecnológico: 'Funcional e belo'
14/09/2024
Clínica em Sorocaba (SP), especializada na fabricação de próteses ortopédicas, desenvolve artes para dar estilo aos modelos. O g1 conversou com pacientes que contam como o avanço tecnológico e a preocupação com a estética das próteses contribuem para a autoestima deles. Design personalizado no encaixe das próteses ortopédicas permite que o paciente mostre seu estilo pessoal
Redes Sociais/Reprodução
O avanço na tecnologia tem transformado significativamente a vida de pessoas que tiveram algum membro amputado. As próteses estão mais confortáveis e a parte estética dos modelos também passou a ser considerada no momento da fabricação.
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Uma clínica de Sorocaba (SP), especializada em próteses ortopédicas, acompanhou de perto essa inovação. Ao g1, Vitor Consani Fernandes, gerente de marketing da clínica, contou que a última década foi muito significativa e permitiu avanços nunca alcançados.
"Nós estamos há mais de 50 anos no ramo e vimos que nos últimos 10 anos o mundo se mobilizou pra trazer mais conforto aos pacientes. A prótese tem algumas limitações, mas ela sempre tem que ser bem confortável, principalmente a parte do encaixe, que é o que a gente produz na clínica. Essa parte que vai, de certa forma, encostar no membro. Nos últimos anos, ela veio de forma muito moderna".
Clínica de Sorocaba (SP) já atendeu mais de 30 mil pacientes e é especializada na ramo de próteses ortopédicas
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Vitor explica que antigamente um paciente que tinha uma amputação abaixo do joelho, por exemplo, usava um material mais simples nesse encaixe: "E a prótese escapava, rodava dentro do coto do paciente. Hoje, a gente tem sistemas de fixação por meio de vedação. O que faz essa vedação é um anel que expulsa todo o ar do encaixe e cria um vácuo que a prótese não saia do corpo do paciente."
Conforme Vitor, o paciente fica de três a quatro meses com a prótese, período chamado de "tempo de maturação do coto". Depois desse período, é tirada uma cópia do coto e o novo encaixe da prótese é feito já em fibra de carbono.
"O mesmo material que, às vezes, é usado em carros de Fórmula 1, até em algumas partes de aviões. Um material muito resistente. Não vai quebrar, é muito mais leve. Só que esse material não aceita tantas variações. Não é possível modelar muito bem esse material. Por isso, a ideia é que o paciente fique muitos anos com essa prótese", ressalta Vitor.
Design funcional e com personalidade
Além de materiais resistentes e próteses que permitem que o paciente tenha mobilidade, conforto e uma rotina normal, outra preocupação surgiu nos últimos anos, a de oferecer ao paciente uma prótese que seja esteticamente agradável, em que o paciente possa expressas sua personalidade.
"Agora, temos um design pensado para ser funcional e belo. Então, hoje, sim, a gente tem muitos pacientes que gostam mesmo de mostrar a prótese, se sentem bem usando bermuda, vestido. Se torna um pouco parte da personalidade da pessoa", ressalta Vitor.
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Prótese de banda, filmes e personagens
Uma dessas pessoas é a Anelise Silva, de 24 anos, moradora de Sorocaba. Ela nasceu com uma má formação congênita e utiliza prótese nas duas pernas. "Eu andei com um ano e sete meses usando as próteses. Aos dois anos, já estava correndo", relembra.
A longa trajetória de Anelise com as próteses fez com que a jovem testemunhasse a evolução que o ramo médico viveu. "Eu era bem novinha, mas tenho na memória que as primeiras próteses que usei eram de madeira e utilizavam uma meia cor de pele por cima. Hoje, nós temos próteses com alta tecnologia, com acessórios que reconhecem o terreno onde a pessoa está pisando", cita.
Anelise Silva utiliza atualmente próteses nas duas pernas. Os modelos são cobertas por capas personalizadas
Arquivo Pessoal
Atualmente, rotina de Anelise é comum, como ela classifica. Mas a jovem já participou competições de natação municipais e estaduais e viu de perto um pouco da rotina de atletas paralímpicos.
"Eu sou muito grata às próteses porque elas me proporcionam exatamente essa vida comum. Eu passo o dia inteiro fora de casa, fiz faculdade e nunca tive problemas em ficar muitas horas com a prótese, sempre deram 'conta do recado'.
"Tatuagem melhorada"
Desde 2012, ela optou por um modelo personalizado. De lá pra cá, Anelise já aproveitou as próteses para "homenagear" alguns de seus gostos: "Já utilizei de bandas que gostava, filmes, ou uma imagem que gostei e resolvi colocar. Eu sempre digo que é uma tatuagem melhorada, porque é uma tatuagem grande só que sem a dor do processo de tatuagem", brinca.
Na perna esquerda, o modelo da vez usado por Anelise estampa um dos filmes favoritos da jovem, Star Wars. Na perna direita, a prótese mostra um desenho que ela gosta, mas a jovem revela que já está pensando em trocar: "Já enjoei".
Para Anelise, é muito importante que o mercado entenda cada vez mais as necessidades das pessoas com amputações. "Hoje também existem próteses à prova d'água, pés com ajustes para salto alto, inclusive eu experimentei um desses há alguns meses, foi uma experiência incrível, espero conseguir tê-los um dia porque de fato é um sonho poder utilizar sapatos com salto",
Adaptação de prótese para salto alto possibilita uma maior autonomia ao paciente de membro inferior, que deseja usar vários modelos de sapato durante o dia
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Rotina de atleta
Ao contrário de Anelise, Talisson Glock seguiu rumo na trajetória do esporte e hoje é bicampeão paralímpico. Nas Paralimpiadas de Paris, que terminaram neste domingo (8), Talisson conquistou medalha de ouro dos 400m livre da classe S6.
Ao g1, o atleta, de 29 anos, contou que sofreu um acidente de trem aos nove anos e perdeu a perna e o braço esquerdo. Talisson é de Joinville (SC), mas a família dele encontrou na clínica em Sorocaba a reabilitação e as próteses necessárias para que o jovem pudesse seguir seu sonho esportivo.
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"Logo depois do acidente, eu comecei a nadar por reabilitação. Eu sou atleta profissional desde os 13 anos. Eu fiquei dois anos na cadeira de roda antes de conhecer a clínica. E aí, depois, eles me deram as próteses."
Talisson Glock conquistou a medalha de ouro nos 400m livre classe S6 nas Paralimpíadas de Paris
Arquivo Pessoal
Talisson explica que o modelo usado por ele não é específico para a natação, pois o esporte é uma das únicas modalidade paralímpicas em que não é permitido pode fazer uso de prótese.
"Mas ela é muito importante para o meu dia a dia, para eu conseguir fazer a minha academia e todas essas preparações que acontecem fora da água também."
Talisson Glock, atleta paralímpico, usa prótese na perna esquerda
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Bandeira do Brasil
Talisson diz que se aventura pouco no universo das próteses personalizadas, gosta de modelos mais básicos. Mas como bom atleta, o jovem já utilizou a prótese para declarar o amor pelo país.
"Eu não tenho muito costume de fazer coisas exageradas, tem pessoas que usam capas e tudo mais, mas eu sempre procuro fazer o encaixe diferente. Fui para Paris com um encaixe todo de carbono, em cores neutras, mas já usei encaixes com personalização da bandeira do Brasil".
Para ele, a possibilidade de personalizar os modelos permite que as pessoas se sintam mais à vontade para exibir a prótese: "Eu acho que justamente por conta dessas personalizações, faz a gente se sentir mais confiante, mais seguro, como algo legal mesmo de estar usando. Faz a gente querer mostrar." completa Talisson Glock.
Talisson Glock já usou capa com as cores da bandeira do Brasil na capa da prótese que utiliza
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Uma verdadeira arte
Tiago Moura é o artista plástico que desenvolve os desenhos e design das próteses que são finalizadas na clínica em Sorocaba. Ao g1, ele contou que faz a prótese estética de silicone e que tem desenvolvido capas desenhadas que cobrem os outros modelos de próteses.
"Anaplastologia é a arte aplicada ao ser humano. É uma especialidade focada na reconstrução de partes do corpo, seja por meio de próteses ou moldagens em 3D, para pessoas que perdem membros, passam por cirurgias oncológicas, malformações congênitas, entre outras situações."
Para criar a prótese em silicone, Tiago explica que tira as medidas do membro amputado, tira o molde do negativo e faz a preparação do silicone baseado nessas medidas.
"Depois, é feito o teste de tonalidade de pele direto com paciente para iniciar a pintura, que é toda feito a mão. Após isso, é feito uma prova com a prótese direito no paciente, pra ver se precisa de ajustes. Aí, é só finalizar com preenchimento. Posso fazer unhas de resina e até pelos."
Tiago Moura é artista plástico e desenvolve próteses de silicone e capas personalizadas
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Capas com estilo
Além das próteses de silicone, o artista tem aperfeiçoado técnicas de desenho para atender para o desejo dos pacientes que preferem outros modelos de capas para as próteses. Tiago conta que os pacientes gostam de artes de cunho religioso, de personagens de filmes, história em quadrinho, bandas.
"O processo é bem manual. Depois que o encaixe sai da laminação, eu começo a fazer nele o procedimento de pintura já. Passo um primer, espero secar e vou desenhando a lápis mesmo, de acordo com a ideia da pessoa. Uso tinta acrílica, pincel, verniz automotivo para dar aquele aspecto de capacete."
Tiago desenhou em capas de próteses para deixar de amostra aos pacientes
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Componente utilizado nas próteses ortopédicas pode ser personalizado de acordo com o estilo do paciente
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Além criador, Tiago também já serviu de "modelo" para os pacientes da clínica, já que ele mesmo usou por um tempo uma capa personalizada com um desenho do personagem Goku na prótese transtibial que possui.
Tiago Moura utiliza uma prótese transtibial. Ele é responsável por criar modelos e desenhos de próteses em clínica de reabilitação de Sorocaba (SP)
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Autoestima e aceitação
Para Anelise, as próteses ortopédicas são ferramentas importantes que auxiliam na qualidade de vida das pessoas com amputação, mas o principal é compreender que não existem limitações capazes de parar quem deseja continuar vivendo.
"Eu acho que a autoestima da pessoa que usa prótese tem mais a ver com aceitar que a deficiência faz parte da vida dela, principalmente em casos de amputação. Sabemos que é bem difícil a perda de um ou mais membros, mas acredito que o caminho certo não seja a lamentação. É aceitar que o corpo da pessoa agora é esse, erguer a cabeça e seguir em frente. Dar tudo de si na fisioterapia e reabilitação pra ter uma adaptação perfeita, foi o que fiz durante toda a vida", aconselha Anelise.
Anelise nasceu com uma má formação congênita e encontrou nas próteses uma forma de seguir a vida e alcançar os seus objetivos
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